Sunday, December 07, 2008

para fernando.

Joaquim era um cara legal e beirava os trinta anos quando saiu da casa da mãe para morar com a namorada. Nem gordo, nem magro, a barba sempre por fazer, gostava de fotografia e tropicalismos. Era um rapaz simpático e morava numa cidade relativamente grande, porém pequena o bastante para esbarrar com as mesmas caras conhecidas às sextas-feiras. Fazia planos pequenos e tinha orgulho de cumpri-los. Manteve a dignidade da sua vida pacata de jornalista, o violão, os vinis e os fins de tarde na praia. A vida toda viveu na mesma cidade, com a mesma namorada, e a calça jeans surrada que ganhou da avó aos vinte.

Devia ser dezembro, Joaquim estava sentado na sala encarando a parede. Perto de 2:20h, a namorada acordou confusa e viu que a luz da sala estava acesa:

- Joaquim, você não vem dormir? – disse sonolenta.
- A cama tá ali, se eu quisesse dormir já teria ido.
- Que é isso, Joaquim? Que agressividade é essa? Só te fiz uma pergunta...
- Quer saber? Tô cansado das suas perguntas! Tô indo embora pra onde ninguém se importa se vou ficar acordado ou não.

Bateu a porta e saiu andando apressado sem olhar muito bem para onde ia. Às três horas, o único bar aberto servia seus últimos clientes.

- Garçom, uma dose de cachaça da mais barata – berrou.
- Que é isso, meu garoto? Noite difícil? – perguntou docemente o velho da mesa ao lado.
- Garçom, posso trocar de mesa? – gritou impaciente.
- nossa, que mau humor... – comentou o velho distraído.
- ah, pra p...

Andou até o balcão e virou a dose lá mesmo, com pressa.
Saindo do bar, resolveu caminhar um pouco. A rua estaria deserta, se não fossem os últimos grupos de pessoas voltando para casa, com o ar desiludido do resto do final de semana. Joaquim não tinha para onde ir, nem queria ter. Às 4:25h parou em frente à estação de metrô e observou dois garotos emos com camisas pró-Greenpeace. Contou os minutos para a estação abrir, e o tempo passou cada mais devagar para irritá-lo. Um grupo de adolescentes se aproximou alucinados com o show da Madonna. Joaquim gostaria que a Madonna ficasse quieta e parasse com suas declarações estúpidas.

O dia seguinte era segunda-feira e ele desejou não ter tanto o que fazer. Sonhou tirar férias da vida, de tudo. Imaginou-se pixando a porta da redação do jornal que trabalhava. Fumou três cigarros e jogou o resto do maço fora. Sentou-se na escada em frente a casa da namorada, e às 5:40h bateu à porta:

- Olha... eu voltei. – disse baixinho.

Passou direto ao quarto, e se jogou na cama. Não havia nada de errado com ele. Joaquim só não queria mudar o mundo.





Ps: esse texto foi assim:

"06/12/2008
01:54:06
.:. clara
ai, tanta coisa pra fazer, e tanta falta de vontade. rs
Fernando Duarte
a vida é triste, ne? com vontade conquistaríamos o mundo
.:. clara
ah, vontade de conquistar o mundo eu até tenho
.:. clara
vamos falar sobre outra coisa
.:. clara
por exemplo
.:. clara
fala uma coisa legal pra eu escrever sobre
Fernando Duarte
falta de vontade para conquistar o mundo
.:. clara
sério?
Fernando Duarte
pq não? ".

Friday, November 21, 2008

amar é lento.

Queria uma Gisele, mas ficou com Maria.

Afinal, a vida não podia ser tão diferente do que os outros repetiam tantas vezes, não se pode ter tudo. E mesmo assim, o resultado nem deve ter sido doloroso. Maria era amorosa, dedicada, uma especialista nos cuidados do lar. Acabou desenvolvendo por ela uma admiração cotidiana que não pôde fugir à regra: era amor.

Juliano já era homem quando a mãe, chamando-lhe em um canto, o encurralou sem rodeios: “você é gay?”. Antes que pudesse responder, a mulher deu as costas e se pôs a chorar um choro pesado de frustração. Não era nada disso. A verdade é que era muito reservado, e por conta disso, a família se reunia em segredo semanalmente para analisar seu comportamento. Não fora um jovem peculiar. Boa parte de sua adolescência passou trancado dentro de um quarto jogando vídeo-game e escondendo revistas de mulheres nuas embaixo da cama. Os anos foram passando, e nada mudou. Seguindo a velha ordem da vida, já era hora de ter conhecido alguém. De molecote esquisito, passou a um adulto recalcado, e as notícias do mundo lhe interessavam tanto quanto os jogos juvenis esquecidos numa caixa de papelão. Só uma coisa o fazia se sentir vivo. E por mais estranho que isso soasse, a preocupação de sua mãe teria diminuído drasticamente se ela soubesse que, na realidade, o filho era apaixonado, sim. Por mulheres.. bonitas.

Todos os dias, saía de casa para o emprego medíocre que conseguiu sem estudar. Fazia sempre o mesmo percurso, uma rua movimentada de quatro pistas, calçadas largas, poucas árvores, muitas lojas e edifícios comerciais. Era impressionante a quantidade de mulheres belíssimas que circulavam naquele horário. Com o passar do tempo, sentiu-se obrigado a fracionar seu horário de almoço, para que pudesse ter dois momentos de contemplação em via pública, seguindo à catarse de imagens e sensações que esmagavam seu corpo. Turbilhões de pensamentos ricocheteavam por todos os cantos de sua cabeça, procurando entender de onde viam aquelas criaturas magníficas. Eram tantas e tantos cheiros, tantas cores e balanços de quadris. Ficava maravilhado. Diariamente, durante os intervalos que conseguia obter, sentava-se em um café do outro lado da rua de um centro comercial. Era um cafezinho simpático destes com as mesinhas de madeira na calçada e garçons atenciosos. A dona do estabelecimento, Dona Iraci, já reservava uma mesa especial naquele horário pra ele. O homem sentava, com sua eterna cara de moço, pedia um expresso sem creme, e iniciava seu ritual. As mulheres deslizavam sobre a rua em direção ao café, ou a qualquer outro lugar. Planavam em suas pernas tão delgadas e singelas, as roupas levitando conforme caminhavam, os cabelos volumosos ao vento. Analisava suas expressões, seus perfumes- que alteravam-se conforme o humor do dia-, os tons de voz. Imaginava-se com elas, em viagens inesquecíveis pela Europa. As que entravam no café ousou perguntar seus nomes. Cafés com Anas, Claras, Luísas... tornou-se um conhecedor profundo da feminilidade que o cercava e habitué do local. Ao contrário de poetas com alma de mulher, Juliano não escrevia, nem tinha jeito para retórica. Manteve a sua alma de homem em eterno estado de contemplação.

Tudo poderia ser resumido assim, e talvez permanecesse dessa forma por muito tempo, naquele emprego, naquele trajeto, na família sussurando intervenções. Até que outra personagem entrou em cena. Mas não desbancou as anteriores, nem foi alvo de declarações e êxtases. Era só Maria, a garçonete do café. Mocinha simples, inteligente, cabelinhos sem corte, se divertia com o sujeito pontual que se sentava à mesa 7, e pedia sempre a mesma coisa. Maria tornou-se admiradora exclusiva dele. Também buscava seu cheiro, suas expressões. O coração batia mais forte quando o via atravessar a rua, e com muito custo foi traçando um plano de aproximação.

Antes que os amigos concretizassem de uma vez por todas a tão pensada intervenção familiar, resolveram segui-lo por uns dias. Chocados com a descoberta, tão cedo a repassaram à família, Juliano apareceu em casa. Não estava só. A mão esquerda magrela, segurava outra mãozinha talvez menos esquálida, a de Maria. A família correu para a sala, a mãe sustentava uma expressão tão boquiaberta que seu nariz desaparecera.

Até aquele ponto, nunca soubera o que era amor, só o sublime. A cumplicidade com Maria fez com que aprendesse a singeleza da mulher, nos mínimos detalhes. A proximidade com ela mudou seu cotidiano, e fez novos rituais.
Às vezes, imaginava como seria se Maria fosse uma Gisele. Mas era uma idéia vazia que rapidamente se dissipava entre tantos outros pensamentos bons. Decidiu ouvir o conselho dos outros, e ficou com a que lhe tratava bem.
Terminavam todos os dias assim, deitados na cama, o rosto virado para ela, observando-a dormir.

ps: mais um texto sem revisar cautelosamente. tenho medo de desgostar neste processo, rs.
Esse é bom pra ouvir ao som de ... um monte de coisa. mas vou deixar a dica de deusa urbana, do caetano.

Sunday, November 02, 2008

Cíntia.

Fazia o que podia, mas Cíntia era uma mulher feia. Quando nasceu, a mãe olhando o berço noite adentro deixou soltar um suspiro longo e triste. Dessa maneira, desde pequena, foi encorajada a desenvolver pequenos talentos. Era habilidosa nas tarefas domésticas, paciente e possuía uma pontualidade implacável. Todos esses bons feitos, se não fosse feia.
Aos 18 anos, e aparentando ter muito mais, saiu da casa da mãe para tentar a vida na capital, que era longe, como professora. Todo o dia olhava-se no espelho. O rosto assimétrico, a pele manchada, os dentes desesperados para sair. Era como se esperasse uma nova imagem surgir naquele pedaço velho e carcomido pelo tempo. Como era de se imaginar, nada mudou. A não ser pelo fato de que, com o tempo, ia ficando ainda mais feia.
Cíntia desenvolveu um misto de paciência e reflexão que a tornaram uma narcisa ao contrário. Nunca se permitiu ter amores. Era tão consciente de sua ausência de beleza que era capaz de se desculpar ao entrar em lugares públicos. As mulheres bonitas a incomodavam horrorosamente, não conseguiu ter amigas. Sua única companhia era o velho gato doente que ganhou de um aluno, porque a mãe do moleque queria se desfazer do bichano.
Apesar de tudo, não era triste. Ajeitava os poucos cabelos que lhe restavam à cabeça pra ir à missa, e agradecia a Deus por estar viva. Na escolinha, as crianças gostavam dela, e por lá ficou cerca de quatro anos. Teria ficado mais, se não tivesse recebido uma carta de alguém avisando que a mãe ficara doente, e necessitava de cuidados. Imediatamente, juntou o pouco que ganhava para comprar uma passagem de volta à casa da mãe, a sua cidade natal de onde nunca deveria ter saído.
Ao chegar à casinha velha que nasceu, bateu à porta sem hesitar e esperou por resposta. Quanto tempo se privou de tudo por aquela viagem, pelo momento que viria a seguir. A pobreza evidenciada nas roupas e na colônia barata, o sol de meio-dia rachando em sua cabeça, escutou os passos. Era importante voltar pra casa, cuidar da mãe, o único ser humano que se deu ao luxo de abandonar.
Foram os dois minutos mais longos de sua vida. A mãe vinha caminhando em sua velocidade senil dentro da casa, ouviu-a tossir e girar a chave na fechadura. Ao abrir a porta e ver sua figura feia, a mãe caiu estatelada no chão. Infarto fulminante.
* a preguiça de revisar o texto foi grande, importante frisar.

Wednesday, October 15, 2008

convite.

No lado mais esquerdo da calçada, encostados no gradil alaranjado que contornava todo o terreno da escola, o velho e a neguinha travavam conversa sobre amenidades. A mocinha segurava uma sacola qualquer, e parecia ter sido tomada de surpresa. Era muito jovem, baixa, cabelos alisados e tinha um nariz fino, que casava bem com sua delicadeza. Ria alto. Apoiavam-se os dois no gradil, a perna esquerda flexionada sobre a mureta, o calor de fim de tarde evidenciando-se com os poucos ventos. Certamente o velho fizera-lhe um convite. A menina se esquivava, como num jogo, mas não saía do lugar. Observei-os por quase dez minutos. Quando cheguei, eles já estavam lá, feito personagens de um cenário fixo. A cena deve ter durado umas dessas pequenas eternidades que perfazem o dia. Nunca soube quem eram, e o que a menina decidiu fazer. Tomei o primeiro ônibus municipal e deixei os dois para trás, como quem vira a página após terminar um capítulo.

amor de longe.

O sol incidia pela única janela do cômodo, e fazia crepitar por vezes o piso velho de tábua de madeira. Em nenhum momento ouviu-se a menina falar. Era uma daquelas tardes de verão em que nada se move, e o calor faz surgir uma onda densa e estática, impossível de sustentar.
Quase duas horas, o cachorro acomodou-se junto à porta aberta para olhar lá fora. Bem distante, vinha um caminhão carregado de latas, cambaleando pela estrada esburacada. As pessoas faziam fila em suas cerquinhas brancas para recebê-lo. Uma vez por semana, o leiteiro aparecia naquela vila que nunca chegava nada. Trazia notícias, contava floreios para as moças. Ao vê-lo se aproximar, um moço alto, magricela, desses com sorriso simpático e humilde, a menina estremeceu por dentro. Fazia uma semana, bordava um lenço para ele. Entregou-o ao rapaz, e junto com o dinheiro do leite, dois passos para trás e um aceno. Não disse uma palavra. O leiteiro esboçou um sorriso em retribuição, e a menina correu para fechar a porta. Suspiro. Mais sete dias.

Wednesday, September 24, 2008

maré, assim.

De tanto me perder, de andar sem sono
Por essa noite sem nenhum destino
Por essa noite escura em que abandono
Os sonhos do meu tempo de menino

De tanto não poder mais ter saudade
De tudo que já tive e já perdi
Dona menina
Eu me resolvo agora ir me embora
Pra bem longe daqui
Um dia desses eu me caso com você
você vai ver.. ai, ai..
você vai ver.


( do cd que tenho escutado incessantemente: adriana calcanhotto - maré.)

Wednesday, June 04, 2008

ticking away the moments that make up a dull day..."

tem uma coisa da inércia que não me explicaram direito:
o tempo continua passando, mesmo que desapercebido. e aí, comofas?

agora que meu celular quebrou, tenho encontrado dificuldades em descobrir que em que dia estamos.
agora que voldemort morreu, não senti ainda vontade de abrir outro livro ( apesar da pilha que só cresce, e é real).
agora que retomei algum tipo de normalidade, não sei como ganhar tempo, ou ter tempo.




fica a dúvida.


Sunday, April 06, 2008

é desmedida.

.:.

I'm only happy when it rains
I'm only happy when it's complicated
And though I know you can't appreciate it
I'm only happy when it rains

You know I love it when the news is bad
Why it feels so good to feel so sad?
I'm only happy when it rains

Pour your misery down
Pour your misery down on me

Saturday, March 15, 2008

do I move you.


Então, depois de transformar o Paulo em Condoleezza Rice, volto às aulas.

Mas volto bem acompanhada, porque o outro Paulo, o Leminski, é gente boassa, e excelente companhia:


Amor, então,também, acaba?

Não, que eu saiba.

O que eu sei

é que se transforma numa matéria-prima

que a vida se encarrega

de transformar em raiva.

Ou em rima.




*do I move you é música que menina simone gravou.

aí fica aquela coisa.. se nina simone não explode o peito da gente, eu não sei mais o que é isso!



que transforme em rima essacoisatoda!

Friday, February 22, 2008

no mundo, há uma energia incessante de sonhos e frustrações que o movimenta. Para mim, há música: o som inconfundível dos momentos felizes, dos dias de chuva, e dos dias em que a certeza tomou conta de tudo. E mesmo, o do silêncio. O som que perpassa os segundos deixando sua marca fincada na terra, nas paredes , que fica para sempre.
Onde há música, há vida, e é preciso deixá-la entrar. Permitir que invada todos os espaços, complete os vazios, que esteja em tudo.
Vai ver, é como se fosse simples, e que nos alimentássemos de música, uns dias de acordes alegres e outros, nem tanto.
Depois de rechaçar tantas vezes as canções amargas e frias, o que faremos com os dias tristes?
não há razão para serem tomados, escutados, e transformados em lembranças melhores?

bom, aí então..
ouviremos sua música.