Wednesday, October 15, 2008

convite.

No lado mais esquerdo da calçada, encostados no gradil alaranjado que contornava todo o terreno da escola, o velho e a neguinha travavam conversa sobre amenidades. A mocinha segurava uma sacola qualquer, e parecia ter sido tomada de surpresa. Era muito jovem, baixa, cabelos alisados e tinha um nariz fino, que casava bem com sua delicadeza. Ria alto. Apoiavam-se os dois no gradil, a perna esquerda flexionada sobre a mureta, o calor de fim de tarde evidenciando-se com os poucos ventos. Certamente o velho fizera-lhe um convite. A menina se esquivava, como num jogo, mas não saía do lugar. Observei-os por quase dez minutos. Quando cheguei, eles já estavam lá, feito personagens de um cenário fixo. A cena deve ter durado umas dessas pequenas eternidades que perfazem o dia. Nunca soube quem eram, e o que a menina decidiu fazer. Tomei o primeiro ônibus municipal e deixei os dois para trás, como quem vira a página após terminar um capítulo.

amor de longe.

O sol incidia pela única janela do cômodo, e fazia crepitar por vezes o piso velho de tábua de madeira. Em nenhum momento ouviu-se a menina falar. Era uma daquelas tardes de verão em que nada se move, e o calor faz surgir uma onda densa e estática, impossível de sustentar.
Quase duas horas, o cachorro acomodou-se junto à porta aberta para olhar lá fora. Bem distante, vinha um caminhão carregado de latas, cambaleando pela estrada esburacada. As pessoas faziam fila em suas cerquinhas brancas para recebê-lo. Uma vez por semana, o leiteiro aparecia naquela vila que nunca chegava nada. Trazia notícias, contava floreios para as moças. Ao vê-lo se aproximar, um moço alto, magricela, desses com sorriso simpático e humilde, a menina estremeceu por dentro. Fazia uma semana, bordava um lenço para ele. Entregou-o ao rapaz, e junto com o dinheiro do leite, dois passos para trás e um aceno. Não disse uma palavra. O leiteiro esboçou um sorriso em retribuição, e a menina correu para fechar a porta. Suspiro. Mais sete dias.