Monday, July 20, 2009

observação #3

Joyce parecia apreensiva com seu primeiro dia de trabalho. Não conhecia nenhuma das meninas. Todas tagarelavam alto, sem perder de vista uma produção fordista incansável e admirável. Escolheu um canto e ali ficou com suas novas atribuições.


A padaria era pequena, ficava em um bairro simples no meio da cidade. Havia poucos clientes, mas muito o que fazer. Joyce ficaria no setor da lanchonete, montando os lanches. Às vezes, precisaria preparar outras coisas, como pesar frios e etiquetar pacotes de pãezinhos redondos. Não naquele dia.
Havia uma pausa de trinta minutos diários, divisíveis ao longo da jornada. Escolheu fracioná-los ao meio. Esticou as pernas, bebeu água. Não sentia fome.
Nos últimos dez minutos que tinha direito, optou por ler o trabalho que iria apresentar logo a seguir, na aula. Estudava à noite, o que significava dormir tarde praticamente todos os dias.

Bateu o ponto e seguiu para a escola. Tudo correu bem, como previsto.


Ao chegar em casa, a mãe perguntou como fora o dia. Estava visivelmente abatida, porém mentiu e esboçou com esforço um sorriso.
Deitada na cama, sem conseguir dormir, se pôs a pensar em muitas razões para largar tudo, desistir da escola e daquela vida, dos compromissos.
Mas Joyce era menina bem criada, aprendera a persistir. Virou-se de lado para um sono tranqüilo. No meio do turbilhão, foi capaz de se lembrar do jornaleiro bonito que trabalhava em frente à padaria.

amigo zumbi.

Em um bairro suburbano americano, esposas estonteantes cuidavam da casa e da família. Eram os anos cinqüentas. Entre jardins verdíssimos e cerquinhas brancas, aquela comunidade se assemelhava a qualquer outra vizinha. Mas não, não dentro daquelas casas.

Fazia um dia quente e duas famílias vizinhas resolveram fazer um churrasco. Um típico churrasco americano, os maridos tomando cerveja, falando sobre baseball e a guerra, enquanto as esposas, em vestidos lindíssimos, tomavam seus coolers, trocavam receitas.
O vizinho perguntou ao Sr. Roberson porque ele ainda possuía o zumbi doméstico. O Sr. Roberson sabia que o filho e a esposa eram muito apegados a ele, mas tentou desconversar. O vizinho achou esquisito o Sr. Roberson permitir esse tipo de relacionamento dentro de sua casa. “Zumbis não são confiáveis, são bichos”. – explicou.

Já era noite, e ao chegar em casa, o Sr. Roberson perguntou à esposa porque o zumbi estava sentado em sua poltrona. A Sra. Roberson respondeu que Fido gostava de ficar ali, e aumentou o som.
- Vamos dançar, querido?

Mary Roberson era uma mulher muito bonita. Os cabelos negros perfeitamente presos em um coque contrastavam com sua pele tão lisa e alva. Estava grávida de seu segundo filho, e o marido ainda não havia notado. Ignorava os problemas do dia –a – dia com tarefas e drinks. Era infeliz, mas naquele momento parecia estar se divertindo muito.
O marido olhou com fúria para a mulher. Saiu da sala, e quando voltou, a Sra. Roberson dançava com o zumbi.
- Fido gosta de dançar – disse ela, sorrindo. Venha, Bill!
O marido apontou o controle remoto em direção à coleira do zumbi, e apertou o botão. O zumbi pôs-se a gemer de dor, enquanto a Sra. Roberson tentava acudi-lo.
- Bill! – exclamou indignada.

No dia seguinte, a polícia veio buscar Fido. Quando o menino levantou, o carro que levava o zumbi já ia longe. Timmy gritava pela rua, o zumbi não tinha culpa em ter matado a Sra. Petterson. Era tarde demais.

Naquele dia, o pai resolveu levar o filho à escola. Dirigia um carro antigo azul e estava preocupado.
- Pai, você passou a escola. – disse Timmy com voz triste.
- Ah, sim – disse o pai distraído enquanto estacionava o carro – bem, eu... eu queria te dizer algo. – suspirou – sabe filho, eu.. sei que quando se é criança nós.. fantasiamos algumas coisas, quer dizer.. sentimos coisas. Filho, você precisa se livrar disso.
- Me livrar do quê?
- Sentimentos! Sentimentos não servem pra nada! O que importa é estar vivo, me entende?
- Ahm. – o menino resmungou sem entender.
- Bem.. – sorriu, ignorando-o – É por isso que lhe trouxe um presente. Tome.
O menino apanhou a caixa branca com laço azul e a abriu lentamente, sem imaginar seu conteúdo.
- Uma arma. – disse o menino, confuso.
-sim, uma arma – confirmou o pai
Sei que não devia comprá-la antes do seu aniversário de doze anos. Mas achei que era a hora. Você gostou? Não é bonita? Carregue sempre com você.

O menino colocou a arma na mochila. Não devia ter dez anos, mas já era capaz de compreender tudo. Zumbis só morrem com tiros. Com uma expressão ainda incrédula, abriu a porta do carro.
Ao fechá-la, o pai disse:
- Ah, não se esqueça das balas! - disse sorrindo ao jogar um pacote.

E a acelerou o carro.

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Sobre o filme Fido (2006) de Andrew Currie.