Sunday, November 02, 2008

Cíntia.

Fazia o que podia, mas Cíntia era uma mulher feia. Quando nasceu, a mãe olhando o berço noite adentro deixou soltar um suspiro longo e triste. Dessa maneira, desde pequena, foi encorajada a desenvolver pequenos talentos. Era habilidosa nas tarefas domésticas, paciente e possuía uma pontualidade implacável. Todos esses bons feitos, se não fosse feia.
Aos 18 anos, e aparentando ter muito mais, saiu da casa da mãe para tentar a vida na capital, que era longe, como professora. Todo o dia olhava-se no espelho. O rosto assimétrico, a pele manchada, os dentes desesperados para sair. Era como se esperasse uma nova imagem surgir naquele pedaço velho e carcomido pelo tempo. Como era de se imaginar, nada mudou. A não ser pelo fato de que, com o tempo, ia ficando ainda mais feia.
Cíntia desenvolveu um misto de paciência e reflexão que a tornaram uma narcisa ao contrário. Nunca se permitiu ter amores. Era tão consciente de sua ausência de beleza que era capaz de se desculpar ao entrar em lugares públicos. As mulheres bonitas a incomodavam horrorosamente, não conseguiu ter amigas. Sua única companhia era o velho gato doente que ganhou de um aluno, porque a mãe do moleque queria se desfazer do bichano.
Apesar de tudo, não era triste. Ajeitava os poucos cabelos que lhe restavam à cabeça pra ir à missa, e agradecia a Deus por estar viva. Na escolinha, as crianças gostavam dela, e por lá ficou cerca de quatro anos. Teria ficado mais, se não tivesse recebido uma carta de alguém avisando que a mãe ficara doente, e necessitava de cuidados. Imediatamente, juntou o pouco que ganhava para comprar uma passagem de volta à casa da mãe, a sua cidade natal de onde nunca deveria ter saído.
Ao chegar à casinha velha que nasceu, bateu à porta sem hesitar e esperou por resposta. Quanto tempo se privou de tudo por aquela viagem, pelo momento que viria a seguir. A pobreza evidenciada nas roupas e na colônia barata, o sol de meio-dia rachando em sua cabeça, escutou os passos. Era importante voltar pra casa, cuidar da mãe, o único ser humano que se deu ao luxo de abandonar.
Foram os dois minutos mais longos de sua vida. A mãe vinha caminhando em sua velocidade senil dentro da casa, ouviu-a tossir e girar a chave na fechadura. Ao abrir a porta e ver sua figura feia, a mãe caiu estatelada no chão. Infarto fulminante.
* a preguiça de revisar o texto foi grande, importante frisar.

1 comment:

Pedro said...

gostei muito
beijo