Sunday, June 21, 2009

observação #2

.:. Em frente à casa de Antônia, erguia-se um prédio. E nele, todos os dias, um novo pavimento.

Acordava às 7h, abria as cortinas, e lá estava ele, um magnífico bloco intransponível, tão cedo coberto de panos de vidro refletindo a paisagem. Neste ritual, se sentia parte de um livro, cada novo andar, um capítulo. Alguns minutos após a contemplação, fechava a bolsa e ia trabalhar. Com o tempo observou que nada poderia frear aquela construção.

Dia após dia, os peões trabalhavam, tais como robôs, exaustivamente no calor e no frio. Era, então, todas as manhãs, que percebia a passagem de mais um dia. Ou melhor, menos um dia. Menos um, menos um, menos outro.

Abrir as cortinas, e encontrar mais uma altura vencida daquele prédio eram parte da sua vida. Era como uma lufada de ar. Talvez Antônia contasse com aquela cena diária para continuar vivendo, não se sabe. Fato é que aquele momento lhe trazia conforto, era a segurança de que tudo permanecia como estava.
Assim seguiu, sem alterar sua rotina. Havia a esperança de o que prédio se estendesse ao infinito.


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O homem dirigia seu SAAB azul antigo, como de praxe, após o café na lanchonete. Bacon, ovos e fritas.
Estacionou em frente ao prédio que morava, subiu as escadas carregando um pacote. Girou as chaves, abriu a porta. Ainda portava os óculos Wayfarer os quais não vivia sem. Deixou o saco com compras em cima do aparador, e jogou-se cansado no sofá. Ao fundo via-se uma pilha de livros ordenados. 64 livros e tinha acabado de escrever o último.
O cachorro, que não era seu, fitava-o, deitado sobre o carpete. Mr. Udall levantou-se, e se pôs a tocar um jazz no piano - o cachorro gostava -, até que tocaram a campainha. O merchand do vizinho, um balzaquiano esguio e negro, veio pedir o cachorro de volta: o artista voltara do hospital. O homem fingiu um sentimento de alívio ao entregar o cachorro, e fechou a porta.

Voltou ao piano. Tocava com dor, pesando os dedos nas teclas. Sua expressão era de desespero nítido, nunca alguém havia lhe feito companhia naquele apartamento silencioso e sóbrio.

“Over a dog!” – Exclamava. “Over a dog!”



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ps: o cara no segundo do texto é o jack nicholson, rs. em as good as it gets, ( "melhor impossível"), que é impagável.

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